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quarta-feira, 19 de abril de 2023

Você já ouviu falar em Doença de Chagas?

No início do século passado, o Brasil era um país essencialmente rural e pobre. Carlos Chagas, pesquisador e sanitarista, conseguiu identificar a doença, causada por um protozoário chamado Trypanossoma Cruzi (o nome dado foi em homenagem a outro cientista brasileiro famoso, Oswaldo Cruz), que através de um hospedeiro (o inseto chamado triatomíneo, também conhecido como “barbeiro”) infecta o homem: nas residências precárias no interior do país, o inseto com o protozoário em seu trato digestivo pica o homem, geralmente durante o sono, e imediatamente evacua no local. Por causar uma “coceirinha” no local da picada, ao coçar o homem introduz o protozoário para dentro do orifício na pele causado pela picada, introduzindo fragmentos de fezes do inseto e dando início então ao desenvolvimento da doença. A transmissão através de alimentos contaminados pode ocorrer também, e até 1992, não era raro haver transmissão através de sangue contaminado em transfusões.

Ainda hoje, mesmo com a urbanização da maior parte da população, temos em nosso país o registro de aproximadamente 150.000 casos ao ano.

A doença em si, na sua fase aguda, provoca sintomas gerais tais como febre baixa, fraqueza e dor de cabeça. Depois disso o protozoário se espalha pelo corpo e atinge, após algum tempo (que pode levar anos), o músculo do coração, o esôfago e o intestino grosso. Em todos os casos a reação é sempre a mesma, e se dá por inflamação direta causada pelo Trypanossoma nesses órgãos, agravada pela reação imunológica do indivíduo afetado.

O resultado final para uma parte das pessoas é a incapacidade de um funcionamento adequado do bombeamento de sangue pelo coração, condição chamada Insuficiência Cardíaca; a dilatação progressiva do esôfago, causando dificuldades para a digestão e vômitos; e a perda da capacidade de contração do intestino grosso, provocando a incapacidade de evacuar de forma adequada (“intestino preso”), aumento do tamanho do abdome e muito desconforto (tão intenso que às vezes é necessária a retirada cirúrgica do intestino grosso).

O Ministério da Saúde fornece gratuitamente o tratamento tanto para a fase aguda quanto para a fase crônica da doença, assim como os testes laboratoriais nos laboratórios públicos de referência. A única forma de prevenção é a busca ativa de frestas em janelas, portas e outros nichos nas residências, principalmente nas áreas rurais.

Curiosidade: por que o inseto se chama “barbeiro”? Uma das partes do corpo mais exposta enquanto dormimos é o rosto. Essa é uma das áreas preferidas pelo inseto na hora de picar. Assim, convencionou-se chamá-lo com esse nome porque é o local (nos homens) aonde se faz a barba!

Você conhece a Medicina Endocanabinóide?

O uso terapêutico da planta do gênero “Cannabis” data de milhares de anos, segundo alguns historiadores, sendo utilizada para o tratamento de uma enorme quantidade de moléstias. Ao final do século XIX, fazia parte da farmacopeia de diversos países na Europa, Ásia e África, sendo prescrita por médicos e outros profissionais, porém desde o início do século XX passou a ser proibida quanto ao uso, mesmo que para a saúde.

Com o tempo, no nosso país inclusive, o uso terapêutico da planta passou a ganhar espaço, sendo reconhecida a sua eficácia no tratamento de diversas doenças, algumas já definidas em protocolos técnicos pelas agências reguladoras, principalmente a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, entidades médicas e o próprio Ministério da Saúde.

As pesquisas pioneiras iniciadas no ano de 1964 em Israel, pelo Dr. Raphael Mechoulam, levaram ao conhecimento mais aprofundado sobre o uso medicinal da planta. Nos anos setenta houve um notável avanço na compreensão do que passou a se chamar sistema endo-canabinóide e seus mensageiros endógenos (anandamida e 2AG), e o isolamento das principais substâncias de ação terapêutica da planta, os fitocanabinóides canabidiol (CBD) e o delta-9 tetraidro canabinol (THC). Sabe-se hoje que a planta possui mais de 300 substâncias potencialmente benéficas.

Que pacientes poderiam se beneficiar do uso de derivados da cannabis?

No atual estágio de conhecimento, existem evidências de benefícios para o tratamento de enfermidades e condições clínicas crônicas variadas, complementado o tratamento convencional e reduzindo efeitos adversos. As principais condições para as quais foi verificada uma ação terapêutica, total ou parcial, incluem:

·      Ansiedade e estresse

·      Artrite

·      Asma

·      Algumas neoplasias

·      Concussões, lesões cerebrais e medulares

·      Convulsões*

·      Dependência química

·      Diabetes

·      Distúrbios alimentares (anorexia, obesidade, caquexia)

·      Distúrbios do sono (insônia e apnéia do sono)

·      D. de Alzheimer

·      D. Neurodegenerativas (Huntington, Parkinson)

·      D. de pele (psoríase, acne)

·      Dores crônicas em geral

·      D. Inflamatória Intestinal

·      Enxaqueca

·      Esclerose lateral amiotrófica (ELA)

·      Esclerose Múltipla

·      Náuseas e vômitos intensos**

·      Síndrome do intestino irritável

·      Transtorno do Déficit de Atenção com hiperatividade (TDAH)

·      Transtorno do Espectro Autista (TEA)

·      Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT)

* A indicação do uso da cannabis para o tratamento de convulsões graves e refratárias como na Síndrome de Dravet, Síndrome de Doose, na Doença de Lennox-Gastaut, e no complexo da Esclerose Tuberosa, estão legalmente previstas e indicadas na Resolução nº 2324/22 de 14/10/2022 da ANVISA;

** Principalmente após o uso de quimioterápicos para tratamento dos mais diversos tipos de câncer.

O uso de derivados da cannabis pode curar doenças crônicas?

O tratamento para doenças crônicas não se propõe a curar, mas sim proporcionar controle total ou parcial dos sintomas, permitir melhor qualidade de vida e diminuir a toxicidade/efeitos adversos dos tratamentos convencionais. Ou seja, não se propõem a substituir, mas sim contribuir com o tratamento dessas doenças.

Quem pode usar produtos derivados de cannabis?

Qualquer pessoa, independente de idade e doença de base pode fazer uso dos derivados de cannabis, desde que bem indicado por profissional competente.

Como os derivados de cannabis são usados no Brasil?

Os meios mais comuns de administração são a forma oral (gotas), a forma de spray oral, e a forma tópica.

Como os derivados de cannabis oral são prescritos?

Após a avaliação inicial, havendo perspectiva de benefício, o médico irá prescrever a solução apropriada para aquele paciente, para aquela doença e para aquele estágio de doença. Para cada situação, recomenda-se a prescrição individualizada na composição e na titulação, utilizando-se os fitocanabinóides conhecidos em proporções, dose e tempo de uso recomendados.

Aonde adquirir derivados de cannabis para compra?

Vários importadores fazem essa função, seguindo rigorosamente o que foi determinado em receituário médico simples, trazendo o produto de outros países (principalmente EUA). Os derivados de cannabis também podem ser adquiridos em farmácias comuns, em preparações com concentrações pré-definidas, com receita tipo A (amarela). Também existem várias associações no país que fabricam produtos derivados da planta e os comercializam.

O futuro reserva indicações cada vez mais abrangentes, após novos estudos para o uso terapêutico da cannabis. E muito mais pessoas deverão se beneficiar dessa alternativa de tratamento.

Caso o colega deseja mais informações a respeito, teremos prazer em encaminhar.

E se por acaso estiver diante de um caso no qual perceba um potencial benefício com o tratamento utilizando cannabis, teremos prazer em fazer uma avaliação detalhada e, caso pertinente, indicar o melhor tratamento para o seu paciente.

 

Referências bibliográficas selecionadas:

1 – Ang, Samuel P., et al: “Cannabinoids as a Potential Alternative to Opioids in the Management of Various Pain Subtypes: Benefits, Limitations, and Risks”. Pain Ther, 2022. Acesso em https:// doi.org/10.1007/s40122-022-00465-y

2 – Costa, Alana C. et al.: “Cannabinoids in Late Life Parkinson’s Disease and Dementia: Biological Pathways and Clinical Challenges”. Brain Sci. 2022, 12, 1596. Acesso em https://doi.org/10.3390/brainsci12121596

3 – Pagano, Cristina, et al.: “Cannabinoids: Therapeutic Use in Clinical Practice”. Int. J. Mol. Sci. 2022, 23, 3344. Acesso em https://doi.org/10.3390/ijms23063344

4 – Lorenzeti, Valentina, et al.: “Effects of cannabinoids on resting state functional brain connectivity: a systematic review”, Neuroscience and Biobehavioral Reviews, (2022). Acesso em https://doi.org/10.1016/j.neubiorev.2022.105014

5 – Schlag, Anne K., et al.: “The value of real world evidence: The case of medical cannabis”, Front. Psychiatry 13:1027159. Acesso em https://doi: 10.3389/fpsyt.2022.1027159

6 - J. Eduardo Rodriguez-Almaraz, Nicholas Butowski: “Therapeutic and Supportive Effects of Cannabinoids in Patients with Brain Tumors (CBD Oil and Cannabis)”, Curr. Treat. Options in Oncol. Acesso em https://DOI 10.1007/s11864-022-01047-y